24 de maio de 2010

Voluntária da Bagunça

Uma das melhores experiências da minha vida foi fazer um trabalho voluntário em uma creche na Boca do Rio. Minha função era ajudar a professora com seus 22 alunos.
Meu primeiro dia foi para observar a turma, sentei no fundo da sala e fui observada o tempo todo pelos alunos que mal olhavam para o quadro. A primeira lição foi montar sílabas, L + A = La; entenderam meninos?; Siiimmm; Então L+A= ao quê? La, Ba, Le, cada um respondia uma coisa. L+A= La, insistiu a paciente professora. Vocês agora, L+A=? 21 alunos responderam La e se calaram, daí uma única aluna no meio do silêncio gritou Le. Dei uma gargalhada inconveniente, mas engoli logo que vi a cara da professora e da aluninha desapontada.
A turma era cheia de figuras, cantor de funk, babão, intelectual, fortão, muitas pestes e uma menina que não falava com ninguém mesmo, ela era bem gordinha e sofria com a crueldade inconsciente das crianças.
Nem preciso dizer que em 3 dias já tinha conquistado a galerinha, que me chamava de Tia Seca, fofos! A que eu mais gostava se chamava Priscila e todos os dias ela ia com uma trança na testa, era tão engraçadinho, quando não agüentei de curiosidade e por ter certeza de que não era sua mãe quem penteava seu cabelo, perguntei e ela disse que era sua irmã mais velha, de 9 anos que fazia o penteado. Unhum, explicado!
Passei por momentos embaraçosos como quando um aluno me disse que não gostava de estudar. Então quando questionei o que ele queria ser quando crescesse ele me disse que queria ser da Policia e para incentivá-lo disse que para ser policial ele teria que estudar, ele me olhou desapontado e respondeu que nesse caso ele preferiria ser bandido. Fala o que gente? Espero que ele tenha desistido dessa idéia. O outro momento foi quando perguntei a uma aluna o que ela gostaria de ser quando ficasse grande e ela me respondeu que queria ser dançarina ou garota de programa. Resolvi neste dia que não faria mais esta pergunta.
Era tão difícil fazê-los se concentrar para atividades escolares. Tinha aluno que queria que eu ficasse em pé do lado dele até a aula acabar, tão carente e tão fofinho. Sabe aquelas crianças feinhas que ficam bonitinhas de tão engraçadinhas?! se não fosse o nariz escorrer a aula toda...
Dia de sexta era integração, não tinha aula, assistíamos desenhos, filmes ou fazíamos brincadeiras. Um dia estava brincando com eles perto de um tanque de água e dentro tinha um helicóptero e um aluno de 5 anos olhou e disse: olha tia o helicóptero de Fernanda Vogel (modelo que namorava João Paulo Diniz e morreu no acidente de Helicóptero), choquei, como ele sabia aquilo?!
Em outra sexta a professora teve que sair e me deixou sozinha com os monstrinhos, que felizes ao me ver resolveram me abraçar de uma só vez, nem preciso dizer que perdi o equilíbrio e que para não cair me apoiei na mais chatinha da turma que afundou no meio dos alunos. Sei que isso não foi legal, mas imaginem se eu caísse? Foi graças a essa solidária aluna que me ofereceu seu ombro amigo para eu me apoiar, que consegui recuperar meu equilíbrio.
Perdi totalmente o controle da turma: a chatinha chorava, os meninos brigavam, as meninas brigavam. Um barulho insuportável. Foi quando tive a brilhante idéia de chamar o funkeiro e pedi para ele cantar uma música que eu ajudava, ai ele lançou o estourado:
Quer dançar, quer dançar / O Tigrão vai te ensinar / Eu vou passar cerol na mão, assim, assim / Vou cortar você na mão, vou sim, vou sim.

Na seqüência e sem perder o fôlego Mc Rodolfo com a ajuda da galera já cantava outro sucesso:
Pula sai do chão esse e o bonde do tigrão/ libera a energia e vem pro meio do salão/ o baile esta tomado eu quero ver você dança/ ta tudo dominado e o planeta vai grita assim: uh só as cachorras / uh uh uh uh uh ! as preparadas.

Quando eu vi todos meninos estavam batucando e cantando e as meninas dançando e dizendo, é assim ó tia que dança, com as mãozinhas no joelho. Um completo baile funk, bem organizado, sem bebida alcoólica e com tchutchucas comportadas. Foi a primeira vez que vi a “mudinha” sorrindo, ela ficou sentada do meu lado eaté falou comigo, disse que tinha 7 anos. O sucesso foi tamanho que todas as outras professoras vieram para ver o que estava acontecendo na sala.
Nem preciso dizer que depois disso, a professora da turma me pediu para só voltar lá nas sextas porque nos outros dias eu atrapalhava a turma. Sei que ela ficou enciumada com o amor que os alunos tinham por mim, mas entendi seu lado e deixei o trabalho voluntário. Sei o nome de todos os alunos até hoje e espero que estejam bem. Sempre trago no coração a lembrança desta experiência e a lição de que é fácil ser feliz fazendo tão pouco e que professor é sagrado, porque conseguir ensinar é um dom. Segue foto com os anjinhos:

3 comentários:

  1. Já dei aula pra crianças e amava, tenha certeza que eles também não vão esquecer de você.

    ResponderExcluir
  2. Eu queria ter esse tato e essa paciência!
    hsiuhsiushsuishsuih

    Aneinha

    ResponderExcluir
  3. Adorei a de trancinha na testa tb!

    Felipe Roriz

    ResponderExcluir